0. Introdução.

_**"A Felicidade é uma ilusão; apenas o sofrimento é real."**_

(Voltaire)

### 0.1 A Naturalização do Paraíso.

Esse manifesto combina a defesa de uma improvável utopia com uma predição científica fria. *O Imperativo Hedonista* Delineia como a nanotecnologia e a engenharia genética eliminarão a experiência aversiva dos seres vivos no mundo. Pelos próximos mil anos ou mais, os substratos biológicos do sofrimento serão erradicados completamente. Dores "físicas" e "mentais" como tais, estão destinadas a desaparecer na história evolutiva. A bioquímica dos descontentamentos diários também será eliminada geneticamente. O mal-estar será substituído pela bioquímica da felicidade. Matéria e energia serão esculpidas em super-seres amantes da vida movidos por gradientes de bem-estar. Os estados mentais dos nossos descendentes provavelmente serão incompreensivelmente diversos em comparação com os de hoje. Porém, todos compartilharão pelo menos uma característica em comum: uma felicidade sublime e universal.

Esse sentimento de bem-estar absoluto superará qualquer coisa que a neuroquímica humana contemporânea possa imaginar, quem dirá manter. A história melhora ainda mais. Estados Pós-humanos de mágica alegria serão biologicamente refinados, multiplicados e intensificados indefinidamente. Noções do que agora é visto como saúde mental toleravelmente boa provavelmente serão ultrapassadas. Elas serão registradas como patologias congruentes com o humor da primordial psique Darwiniana. Tais pensamentos e sentimentos desagradáveis serão diagnosticados como típicos da vida trágica de primitivos emocionais da era anterior. Com o tempo, a recriação deliberada do spectrum do estado atual da consciência normal desperta ou onírica pode ser banida por ser cruel e imoral.

Tais especulações podem soar fantásticas atualmente. Porém a ideia por trás deste manifesto um dia pode ser considerada como intelectualmente banal - embora hoje seja moralmente urgente. À medida que a revolução genética na medicina reprodutiva se desenvolve, o que antes poderia ter sido coisa de uma fantasia milenarista está prestes a se tornar um programa de pesquisa cientificamente viável. A sua adoção ou rejeição se tornará, ultimamente, uma questão de política social. Passivamente ou ativamente, nós teremos que escolher o quanto de desconforto nós desejamos criar ou conservar - se houver - em eras vindouras.

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### 0.2 Salvando Veículos com Condutores Ruins.

Pressões seletivas e cegas têm agido sobre organismos vivos através de centenas de milhares de anos. A evolução Darwiniana tem favorecido poderosamente o crescimento de variedades de dor psicológica cada vez mais diversas e excruciantes, mas também mais adaptativas. Sua pura _maldade_ estimula e pune efetivamente os veículos vivos de replicadores genéticos. Tristeza, ansiedade e descontentamento frequentemente são bons para os nossos genes; eles são apenas psicologicamente ruins para nós. Em termos absolutos, o sofrimento global ainda aumenta enquanto a explosão populacional continua. A ingenuidade humana tem lutado, frequentemente em vão, para racionalizar e de alguma forma extrair valor da agonía mais aterrorizante. Mas através dos aeons, a própria angústia que corrói intermitentemente o bem-estar de organismos individuais tem promovido de formas diferentes a adaptatividade inclusiva de seu DNA. Por isso, ela tende a ficar inexoravelmente pior.

É claro que essa desgraça e melancolia não é tudo. Os horrores do mundo podem ser contrastados com as experiências gratificantes da vida. As pessoas às vezes se divertem. A depressão de longa duração raramente é adaptativa. No entanto, o que Michael Eysenck descreve como a "esteira hedônica" garante que poucos de nós possam ser muito felizes por muito tempo. Uma interação de mecanismos de feedback negativo cruelmente eficazes está em ação no sistema nervoso central. A inibição do feedback garante que a maioria das pessoas fiquem periodicamente entediadas, deprimidas ou angustiadas em um Jardim do Éden reinventado.

Uma pequena minoria dos humanos experimenta de fato estados de euforia indefinidamente prolongados. Esses estados de bem-estar involuntário costumeiramente são classificados patologicamente como "maníacos". Ao contrário da depressão unipolar, a mania eufórica unipolar é muito rara. Outras pessoas que simplesmente têm "pontos de ajuste hedônicos", mas que não são maníacos ou bipolares, às vezes são descritos como "hipertímicos". Essa também não é uma mentalidade comum. "transtorno bipolar", por outro lado, é experimentado ao longo de uma vida por talvez uma a cada cem pessoas ou mais. Popularmente conhecida como depressão maníaca, o transtorno bipolar possui vários subtipos. Humor caracteristicamente alternado entre euforia e desespero abjeto. Os ciclos podem variar em duração. É uma condição genética complexa que é transmitida na família. Tipicamente, a bipolaridade é marcada por uma variação genética no transportador de serotonina quando comparada com normais "eutímicos". A serotonina é um neurotransmissor envolvido no sono, sociabilidade, alimentação, atividade, controle de impulsos, humor, e muito mais além. O transportador de serotonina enxuga o "excesso" de serotonina liberado pelas células nervosas nas sinapses. De forma muito crua, estados maníacos estão associados com funções norepinefrinérgicas e dopaminérgicas melhoradas; na mania, a função da serotonina é desregulada ou baixa.

Infelizmente, entre os "bipolares" de hoje, a exuberância maníaca pode sair do controle. A euforia pode estar acompanhada de hiperatividade, falta de sono, ideias caóticamente agitadas, ânsia de falar e pensamentos de grandeza. Hiper-sexualidade, excessos financeiros e delusões religiosas são comuns. Assim é a egomania desenfreada. As vezes uma _dis_foria pode ocorrer. Na mania disfórica o "pico" maníaco na verdade é desagradável. O sujeito excitado pode ficar nervoso, agitado, em pânico, paranóico, e destrutivo. Quando nas garras da euforia clássica, contudo, é difícil reconhecer que alguém possa suspeitar de que algo está errado. Isto é porque tudo parece absolutamente certo. Assumir o contrário é como ir ao paraíso e então ser convidado a acreditar que houve um engano. Não é algo crível.

Hoje, a (hipo)mania eufórica é passível de ser clinicamente subjugada com drogas. ["Hipomania" denota simplesmente uma mania mais branda.] a "medicação" tóxica pode deprimir o humor elevado a níveis mais embotados, mas "normais". Tais níveis mais monótonos e supostamente mais saudáveis de emoção permitem pessoas outrora eufóricas a funcionar dentro da sociedade contemporânea. A complacência com um regime de tratamento ditado por medicamentos (lítio, valproato de sódio, carbamazepina, etc.) será melhorada se a vítima puder ser persuadida que o bem-estar eufórico é patológico. Então ele(a) pode procurar por sinais de alerta e sintomas. Pelas normas da posteridade geneticamente melhorada, contudo, é o resto de nós que são cronicamente indispostos - se não mais ainda. Os padrões contemporâneos de saúde mental são patologicamente baixos, nossos descendentes super-felizes, em contraste, desfrutarão de um glorioso espectro de novas opções para super-saúde mental. Eles poderão optar por combinar estabilidade emocional, resiliência e serenidade "serotonérgica" com, por exemplo, energia focada em um objetivo, otimismo e iniciativa derivada de um pico "dopaminérgico" puro. Pós-humanos descobrirão que experiências de pico eufóricas podem ser canalizadas, controladas e geneticamente diversificadas, não apenas suprimidas medicamentosamente.

Pois há uma ironia cruel aqui. Os embotadores de humor prescritos clinicamente seriam risivelmente redundantes para a grande maioria da humanidade. No presente, a vida para bilhões de pessoas geneticamente "normais" é de fato frequentemente muito sinistra. Nenhuma quantidade de reforma política e econômica gradativa, nem mesmo engenharia social radical, pode superar essa realidade biológica. Os vários caminhos para a suposta felicidade duradoura são perseguidos sob o disfarce de inumeráveis objetos intencionais. [_Intencionalidade_ no jargão filosófico é o 'a respeito de' ou 'objeto-direcionamento' do pensamento]. Nós nos convencemos que toda sorte de coisas potencialmente nos faria felizes. Todas essas rotas periféricas para realização pessoal não são meramente e vastamente tortuosas e ineficientes. No geral, elas apenas não funcionam, e nem podem funcionar duradouramente. Na melhor das hipóteses, elas podem servir como paliativos do predicamento humano. Se o termostato emocional da mente/cérebro, por assim dizer, não for geneticamente e/ou farmacologicamente resetado, então mesmo o maior dos triunfos e sucessos se tornará cinzas. Vencedores na loteria, artilheiros vencedores de virada em final de copa e recém casados felizes estão fadados a descobrir esse fato de novo e de novo. Mesmo aqueles de nós que tendem a levar uma existência relativamente feliz no dia-a-dia irão ao longo de uma vida, ser submetidos a feitiços de infelicidade miserável e desapontamento. Se optarmos por ter filhos, o nosso código corrompido certificará que eles sofrerão periodicamente um destino parecido.

Seria fácil, porém sem garantia simplesmente extrapolar tendências passadas e presentes no futuro indefinido. Normalmente, nós presumimos sem questionar que os nossos descendentes - não obstante diferentes de nós em outros aspectos - serão inclinados biologicamente a sofrer estados negativos de consciência. Nós presumimos que gerações futuras às vezes sentirão sofrimento, ambos sutis e grosseiros, assim como nós sempre tivemos feito com nós mesmos. Porém essa suposição pode ser tola. A base neuroquímica dos sentimentos e emoções está sendo rapidamente desvendada. O genoma humano será compreensivelmente decodificado e reescrito. Em eras vindouras, se tornará apenas uma questão de decisão (pós-)humana se modos desagradáveis de consciência são gerados em qualquer forma ou textura qualquer que seja. A experiência aversiva será um anacronismo sinistro na era da medicina pós-genoma. Em breve teremos que decidir se devemos infligir o sofrimento em nós mesmos ou nos outros. O que foi uma vez um inevitável e terrível fato da vida orgânica então se torna ao contrário, uma questão para escolha moral ativa quando o indivíduo decidirá sobre o make-up genético de seus futuros filhos. E essa escolha poderá ser recusada.

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### 0.3 Humanos não são ratos.

Uma possibilidade, embora não seja uma opção a ser explorada aqui, é que, ao nos libertarmos do legado de pesadelo do nosso passado evolutivo, possamos escolher desfrutar de uma vida inteira de felicidade puramente orgásmica sempre presente. Essa felicidade não precisa ser direcionada a quaisquer objetos intencionais propriamente definidos. Nós - ou mais provavelmente os nossos descendentes servidos por robôs - não ficariam extasiados por qualquer coisa em particular. A nossa natureza seria constitucionalmente extática. Euforia geneticamente pré-programada seria tão natural e inevitável quanto respirar. Nós seríamos simplesmente felizes em sermos felizes.

A imagem definidora aqui, talvez, seja a contraparte humana abstrata do rato que pressiona a alavanca em um experimento. Microeletrodos podem ser implantados diretamente nos centros de prazer da mente/cérebro. Estes ficam no sistema mesolímbico de dopamina, o núcleo do circuito de recompensa do cérebro. Ele se estende da área tegmental ventral até o nucleus accumbens, com projeções até o sistema límbico e córtex orbitofrontal. Notoriamente, o rato conectado se infringe com ataques frenéticos de auto-estimulação intra-cranial por dias a fio. A experiência é tão maravilhosa que ela toma preferência sobre comida e sono. Auto-estimulação intra-cranial é preferida até mesmo em relação a sexo. O rato não precisa ser submetido a uma "baixa" contrastante para apreciar o "pico". O pequeno pacote de alegria aparentemente é incapaz de ficar entediado, ou fisiologicamente tolerante, o equivalente ao Paraíso dos roedores.

Tais imagens animalescas não são edificantes para todos, exceto para o mais descarado dos hedonistas. Porém as contrapartes humanas mais sutilmente projetadas do rato eufórico são perfeitamente viáveis. Séculos à frente, qualquer extático que maximize o prazer estará utilizando sua liberdade pessoal para exercer o que é, em um sentido ético e utilitário, uma escolha legítima de estilo de vida.

A opção de "implante intracraniano", contudo, será apenas um item extraído de um menu extenso. Infelizmente, é também o mais facilmente visado. O espectro da auto-estimulação intra-cranial perpétua pode ser erroneamente interpretado facilmente como símbolo para toda a abordagem que _O Imperativo Hedonista_ representa. A desesperada urgência _ética_ em que se baseia o projeto abolicionista pode então muito facilmente ser dispensada. Pois humanos, como somos solenemente lembrados, não são ratos.

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### 0.4 A Vida em Sobrecarga Dopaminérgica

Um ponto importante a ser enfatizado na discussão a seguir é que muitos estados de euforia impulsionados pela dopamina podem realmente aumentar o comportamento motivado e direcionado a objetivos em geral. Funções melhoradas pela dopamina tornam a motivação do indivíduo de agir mais forte, não mais fraca. Estados hiper-dopaminérgicos também tendem a aumentar a _variedade_ de atividades que um organismo acha que vale a pena perseguir. Fora do laboratório do prazer, tais estados de necessidade focam em incontáveis objetos intencionais diferentes. Portanto o futuro da humanidade como previsto neste manifesto não é, ou certamente não é apenas, uma eternidade gasta arrebatada em elixires de super-soma ou ligados em máquinas de prazer com altas dosagens de octano. Nem é plausível que a posteridade gozará apenas da embotada e opiácea sensibilidade do viciado em heroína. Ao contrário, é mais provável que uma extraordinária variedade fértil de atividades produtivas e com propósito sejam buscadas. Melhor ainda, os nossos descendentes, e a princípio talvez até mesmo as nossas versões senis, terão a chance de gozar de modos de experiência que nós primitivos carecemos cruelmente. Pois estarão em oferta visões mais majestosamente belas, música mais profundamente comovente, sexo mais requintadamente erótico, epifanias místicas mais inspiradoras e amor mais profundamente intenso do que qualquer coisa que agora possamos compreender adequadamente.

Primeiro eu irei esquematizadamente definir como um paraíso naturalístico secular de efetiva felicidade eterna é bio tecnicamente viável. Segundo, eu irei argumentar porque sua realização é instrumentalmente racional e eticamente mandatória. Terceiro, eu oferecerei um rascunho de quando e porquê tal cenário é provável a vir de alguma forma ou de outra. E, finalmente, eu tentarei antecipar algumas das objeções mais comuns, se não sempre cogentes de que o prospecto do nirvana psicoquímico é provável de surgir, e tentarei desarmá-las.

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